Hoje encontrei um casal de namorados. Eram ainda adolescentes. Caminhavam sincronizados e de mãos dadas. A julgar pela aparência apostaria que teriam uns quinze anos. Bem sei que posso ter errado. Não se acerta mais facilmente a idade, como se fazia no passado. Não eram bonitos, mas carregavam a beleza própria das primeiras descobertas do amor. Não haviam preocupações em seus semblantes, apenas uma névoa de paz no olhar com algum brilho, que demarcava o limite da inocência, com o despertar do desejo.
Mantinham o silêncio a cada passada dada na calçada íngreme. Ambos estavam cheios de si, aquele orgulho peculiar de quem está satisfeito por ter alguém para se apresentar aos outros.
A depender do dia e mais especificamente do seu estado de espírito, você olhará um casal de namorados de forma diferente. E pode ser o mesmo casal. Se estiveres sofrendo de amor, as suas chagas poderão se abrir novamente e lhe causar dor. Exatamente aquele dolorido, que tanto faz para evitá-lo e, quando consegue, começa a acreditar que o venceu de vez. Mas o dolorido é traíra e logo saberás quando se sentires envolvido totalmente por ele, como se fosse uma vítima indefesa de uma grande e precisa serpente…
Agora se estiveres superado o sofrimento, mas carrega a desilusão e a amargura como sequela olharás para eles com algum desdém. Poderás resmungar palavras imprecisas e indecifráveis, que nem mesmo lembrarás quando se aquietar, pois serás uma mensagem direta do teu inconsciente, que canalizarás impiedosamente pelos teus lábios secos e quase cerrados.
Por outro lado (ou perspectiva) se acreditares no amor saudarás, ainda que de longe e discretamente, com um leve suspiro e o emanarás ao casal como uma brisa suave. O amor nos faz; mas afinal, o que fazemos do amor?
Das poucas vezes que pensei sobre ele arrisquei-me dizer que “o amor é feito de miudezas”. Talvez fosse ingênuo de minha parte pensar de tal forma. Mas, em algum momento, amei com ingenuidade. Lembro-me que durante minha adolescência passava horas tentando entender o que era amor. Vez ou outra deparava-me estupefata com a frase “fazer amor” e aquilo me desconcertava. Encorajo-me a dizer aqui, diante do teu dispositivo móvel, que não via sentido em “como fazer um sentimento tão belo e nobre”.
Entreguei-me a ingenuidade com esperança, logo ela que por si só carrega consigo a comédia em seu cerne. Um dia, aflita e conflituosa comigo mesma precisei perguntar a minha mãe “Qual é a diferença entre o amor e a paixão?”.
Quando me respondeu, o fez de forma séria “Se estás me perguntando é porque nunca amou. O dia que amar saberás a diferença”. Foi impactante. Ela disse com semblante sério, enquanto eu aguardava uma expressão própria de serenidade, aquela serenidade que indica alguma sabedoria.
Hoje, passado alguns anos, asseguro que sei a diferença, mas se algum adolescente me fizesse essa pergunta não saberia responder. Diferente de minha mãe, não diria nada com seriedade, mas sim com alguma ternura. É uma forma plácida de falar o indizível com alguma coerência. Há quem diga que não existe coerência nos sentimentos humanos, mas isso carece de um pouco mais de observação.
Certa vez, alguém me disse que quando estava amando “simplesmente voava”. Quando ouvi achei exagero, e não compreendi. Agora, depois de muito tempo, penso que o significado poderia ser atribuído ao fato de que, em pouco tempo, iria embora do Brasil e, justamente, de avião. Uma simples analogia.
Na época do Ensino Médio – ou, como era chamado, Segundo Grau – uma amiga namorava. Na verdade foi uma das primeiras a começar um namoro. Entre uma aula e outra disse a mim e mais duas colegas que, naquele último fim de semana, havia “traído o namorado, pois se um dia viesse a descobrir que ele tinha feito antes, ficaria mais tranquila”. Ainda que sorrisse vitoriosamente com o canto dos lábios, ainda hoje não sei expressar o que senti ao ouvir aquilo naquele dia, logo pela manhã.
Lembro-me ainda de outra amiga, mais velha, que, após vários romances, e na segunda dose de caipivodka olhou-me com certeza e proferiu “Quer saber, vou ficar sozinha. Esse negócio de amor não é para mim. Não dou certo com ninguém mesmo”. Ainda que lhe dissesse que não se tratava de uma “questão de sorte”, mas que ela precisava mudar, precisava parar de insistir nos mesmos erros, ela não deu ouvidos e preferiu – até onde sei – continuar sua vida sozinha…
Ao olhar aquele casal de namorados tão jovens e inocentes lembro-me desses casos; ainda mais recordo dos amores que tive. Cada qual único e necessário. Recentemente li, por meio do Instagram – em uma daquelas postagens que nos são gentilmente sugeridas pela plataforma – que cada convivência, inclusive amorosa, é temporária. O prazo de validade é demarcado pela necessidade de se obter algum tipo de conhecimento que o outro involuntariamente irá nos proporcionar. Por isso é errôneo falar mal de ex.
Prefiro, por agora, olhar novamente para aquele casal. Eles não me percebem. Distraem-se em seu próprio diálogo e sorriem. Fazem bem e isso é bom. Segundo os especialistas em relacionamentos afetivos, quando ambos riem das mesmas coisas é porque se sentem bem juntos. Há uma chama acesa entre o casal. Cumplicidade.
Por um instante, penso neles mais velhos, velhinhos. É que acho tão bonito casais idosos. Sempre que vejo algum penso em quantas adversidades tiveram que passar, e por qual motivo (ou motivos) decidiram seguir juntos. Minha mãe não, ela prefere calcular as bodas, sabe perfeitamente todas elas, e fala com orgulho “Fui ao churrasco na casa da Alaor, ela está comemorando Bodas de Prata. São 25 anos de casamento”, ou ainda “Lembra quando fomos à casa de Dona Terezinha? Eram Bodas de Ouro, ela e o Antônio completaram 50 anos juntos. São muitos anos, meu Deus!”.
Ela fica estupefata, bem sei, por qual motivo, isso não sei. É difícil imaginar a própria mãe amando como mulher, sofrendo como mulher. Há uma sacralidade que a envolve e não me permite compreendê-la como humana. É diferente com a professora Zélia ou com a Dona Guiomar, e há também a Priscila, amiga e cúmplice. Eu posso imaginá-las. Quanto ao casal, tento. É possível. Há distância física e afetiva suficiente para isso. Com o olhar aceno discretamente. E com o mesmo olhar vejo-os se afastarem. Não olham para trás. Não há necessidade para isso. Constato: Sou ingênua outra vez.
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