As certezas de Dona Creusa

Eu gosto de gente, mas não é qualquer gente. Não serve também esse negócio de “gente da gente” que é por demais capcioso. É gente que sabe ser gente e com gosto! Um dia desses aí perdidos em uma tarde ensolarada lembrei-me de uma velha amiga – Dona Creusa.

Dona Creusa é uma simpática e jovem senhorinha de 68 anos ou mais, professora aposentada que, segundo ela mesma diz “jogou o giz no quadro há 7”, pois havia batido o tédio daquela meninada.

Quando não viajava em alguma excursão com a garotada da “terceira idade”, estava lá com seus livros, gatos gordos sisudos ou cantarolando, em meio ao jardim, algum clássico; mas às vezes assoviava algum hit da moda que, segundo ela “é para não cair na mesmice. Não sei a letra e nem me importo, posto que não há, todavia o ritmo é legal”.

Não me recordo exatamente como foi nossa primeira conversa, ainda que dialogar com os mais velhos sempre foi do meu feitio – isso desde minha tenra infância em Alegre (ES).

Com Dona Creusa a tristeza não tinha vez. Para toda e qualquer situação um bom traço de humor desenhava e deixava tudo muito mais bonito. E com ela não se ouvia frases do tipo “ah, estou ficando velha”, pelo contrário, vigorosamente soltava “como você mesma vê cabrocha, tô cada vez mais experiente, não sei onde guardarei tudo isso neste corpitcho”…

Ainda que me ganhasse em todas tentava – em meio aos gestos caricatos onde rabiscava no ar a silhueta de um violão para ilustrar o “corpitcho” – não ficar por menos e arriscava “Ah, Dona Creusa, ‘vossuncê’ sempre dá um jeito”. E ela não perdia “e eu lá sou dessas de dar jeito? Comigo é tudo na base do trejeito”.

Todavia, ninguém sabe quase nada da vida de Dona Creusa (e vou economizar meus caracteres, pois é desnecessário comentar a cor, tamanho e largura da curiosidade). É claro que os mais afoitos arranjavam uma coragem e faziam todos os tipos de pergunta, inclusive, as imperguntáveis (mas se quiser entender como indiscretas é por sua conta e risco).

Ah, todas as tentativas eram meramente energias desperdiçadas em vão, pois a danada da mulher era no estilo “enquanto você vem com o fubá, já comi e fiz a digestão na sesta sagrada”.

Como essa estratégia é ruim demais a vizinhança (des)ocupada partiu para uma nova tática “agora vai dar certo” e mandava as crianças “investigarem”, pois criança é inocente e Dona Creusa era chegada nos pequenos.

Já tive a oportunidade de ouvir perguntas como “Dona Queuza, quantos anos você tem?” com uma resposta faceira dela “Nenhum, vendi tudo para comprar feijão” ou “Dona Creuza, você não tem marido?” e ela “Tenho, mas quebrou e mandei para o conserto”.

Ninguém se sentia ofendido e Dona Creusa adorava, pois era uma forma de manter a sua criatividade “Vai que um dia eu vire escritora, já pensou?” rapidamente disse “Por que não? E, qual seria o seu estilo?”. Ela aguiamente respondeu “Agudo”. Levantei uma sobrancelha e ela logo tratou de explicar “Tem escritor que faz crônica, então eu faria agudo”.

Claro, como não! Uma mulher como aquela que soltava pérolas como “eu não aceito casamento gay e você sabe por quê? Simples. Porque nunca fui pedida a tal propósito” ou quando bebia cachaça “da boa” soltava que “bebia suco de cana-de-açúcar light”.

Contudo, teria que mostrar no papel ou em qualquer outra forma de impressão que a cronicidade da vida estava a ponto de transmutar em agudez. Mas isso era uma arte que poucos tinham talento e Dona Creusa era, para tanto, uma virtuose.

Se ela tinha medo? Acho que não, pois dizia que se o mundo acabasse não tinha problema, “o seguro estava em dia e cobriria tudo”. É… Dona Creusa é infinitesimal!

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