Desde criança sempre ouvi soarem a bom som duas palavras: rico e pobre. Palavras estas muito distintas que não permitem dúvidas e nem confusões gramaticais.
Independente do lado em que você estivesse ouvia sempre frases que descreviam o que era ser pobre como também o que era ser rico. Logo, a base de tudo era: ter ou não dinheiro. Palavra esta que mais separa pessoas e nações do que reúne.
Depois, com um pouco de catecismo surgiu outra palavra maior: humildade. Como eu, quantas vezes você também não leu ou ouviu que “os humildes herdarão o reino de Deus” ou “Jesus era manso e humilde de coração?”. Confesso que “esse manso” dava muito nó na minha cabeça, pois como uma pessoa era mansa, se esse atributo cabia somente aos animais?
Quem já alcançou a faixa dos 30 anos já cansou de ouvir também, principalmente, na história das grandes celebridades, que elas antes de toda a fama e dinheiro, tiveram uma origem humilde, seja na periferia de uma grande cidade ou em um pequeno município que passa a ser conhecido no país graças a esses filhos ilustres.
De agora e desde quando e como começou, a referência nata é “o artista X de grande sucesso nacional veio de família humilde” em contraposição a “o artista X de grande sucesso nacional veio de família pobre”. Mas por que não se fala mais pobre? Houve algum mal nisso, alguma reclamação ou até mesmo algum processo por algum dano?
Até onde sei (ou acho que sei) deixaram de mencionar “negro” ou “negra” e até mulato por “moreninho” por uma precaução semântica que poderia acusar o falante de racismo. Sim, vi esses mesmos falantes pensarem-respirarem-travarem para falar. E antes de qualquer coisa já adianto que nenhum deles leu “A Moreninha” de Joaquim Manuel de Macedo.
Bom, clássicos literários à parte, já que a realidade por mais que inspire não é em si poética e o que poderia ser uma bem intencionada tentativa de amenizar as distâncias é na verdade, a concretização dessas mesmas distâncias. Basta exaltar um pouquinho os ânimos para se constatar o que as aparências singelamente maquilam.
Só para elucidar o tema em questão é só lembrar a “guerra” que foi implantada nas últimas eleições presidenciais onde a Dilma Rousseff foi reeleita. Embates políticos entre o “a favor” e o “do contra”, sobre ideologias são mais do que esperadas e bem vindas. Mas, o debate de ideias saiu do seu campo político e alcançou o âmbito socioeconômico. Entre PT ou PSDB, Dilma ou Aécio Neves, o embate foi motivado pela polarização Rico x Pobre.
Quando percebi que o discurso de ódio foi lançado de um lado para o outro e que eu acompanhava como uma boa espectadora “quase silenciosa” de uma partida de tênis, esperei com certa ansiedade que alguém, mesmo que fosse um anônimo se pronunciasse em meio aos movimentos sociais ou virtuais (como no Twitter) a bela e acalentadora palavra humildade.
Tentativa em vão, pois que ninguém estava ou era manso para isso, eram todos famintos, pois adotaram a palavra “coxinha” para se referir aos ricos enquanto os pobres sempre “chupando os dedos” e sentindo o cheiro, eram somente os pobres.
Neste momento lembrei-me daquelas brincadeiras inocentes que mãe, tia, madrinha ou avó babona brinca com a criança de esconder e mostrar qualquer objeto através da pergunta “Cadê o (…) que estava aqui”? No caso específico deste artigo “Cadê a humildade que estava aqui até algumas linhas atrás?”.
Assim como na brincadeira eu sempre sabia que não existia nenhum objeto a ser escondido ou descoberto, como hoje sei que nenhuma humildade por mais “pobre” de conceito poderia ser ligada e/ou amalgamada (pobre também pode ser chique) a uma condição econômica.
Muito compenetrada neste problema consultei meu pai-avô Aurélio para saber o que ele pensava sobre o assunto. Ele, como sempre gentil, me mostrou que a humildade é “a virtude que nos dá o sentimento da nossa fraqueza” enquanto pobre, como variação da pobreza, é aquele “que não tem o necessário à vida, sem dinheiro ou recursos”.
Então por que criar confusão com a semântica e toda a sua família? Deste modo, ser pobre não implica necessariamente ser humilde como ser rico também não implica ser arrogante. E não posso terminar este artigo sem mencionar outro símbolo de confusão chamada “simples”, palavra esta muito recorrida por quem insiste teorizar sobre a humildade.
Ser simples é desprover de toda complexidade e buscar sempre a naturalidade. Assim sendo, por A+B, ser pobre é uma coisa, ser rico é outra. E tem ainda o manso… É uma lembrança que fica para outra hora.
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