A atividade comum dos homens

Quando vi aqueles três homens do outro lado da rua, pensei “Isso não presta!”. Repeti para mim o que cresci ouvindo “Homem quando se junta só fala de três coisas: futebol, dinheiro e mulher”.

Do lado de cá, no carro, espero por Rosaline que sairá justamente do lado de lá, daqui a uma hora. Tenho tempo para pensar com risco de adormecer, mas prefiro observar o trio masculino. Tenho a meu favor o retrovisor. Vejo os três inteirinhos em seus corpos pesados. Ainda que obesos, cabem no enquadramento. Posso acompanhar os diálogos. É fácil de captar. Faço a leitura labial. Estão distraídos consigo mesmos e não me percebem.

A noite é calma e o movimento é fraco. Quem adentrou à escola, adentrou. De lá começará a sair os primeiros projetos de bailarinas daqui à meia hora. Até lá poucas distrações, muitos marasmos.

Os três homens estão perfilados. Olham mais a rua do que reciprocamente. São tão parecidos nos trejeitos, menos nos rostos. Caso contrário, me confundiriam.

Falam pausadamente, ninguém atropela ninguém, que seja mais por educação do que tédio. De repente leio “Detran”, “carro”. Atento-me porque pode ser um sinal, um gatilho para “dinheiro” e “mulher”. Qual homem não ouviu, pelo menos uma vez na vida, que “sem carro, não se pega mulher alguma?”.

Mas não era nada disso, apenas achismos quanto a Lei Seca, a sua aplicação ideal e que, não se sabe o lugar, quem e quando guincharam um carro para evitar as mortes de inocentes. O que deve ter sido algo grave, que impede de puxar o gancho, ou melhor, engatar a marcha para qualquer ostentação. Em seguida, um quis saber do outro sobre uma mulher. Fiquei atenta, logo percebi que não era nada de mais. Tratava-se da filha de um deles que o outro queria saber se ela aprendera a dirigir.

Dessa menina, emendaram a prosa sobre criança na escola. E aqui fiquei confusa. Houve uma quebra na articulação, acompanhada de bocejos, coçadas de narizes e mão na boca que limitaram minhas possibilidades dedutivas e indutivas de compreensão.

Quando a linearidade linguística retomou o seu lugar na conversa, li que falavam sobre galão de água. Era o preço? A qualidade da marca? Confesso que não compreendi. Respirei fundo e consultei as horas. Havia se passado vinte minutos. Ainda tinha outros quarenta para aprofundar a minha observação. Retomei a leitura.

Agora se entretinham sobre cachorros. Exploraram os tamanhos, pelagem, cor e raças e, como era fácil imaginar, comentaram sobre alguma proeza dos bichos. Achavam graça na mesma medida que se surpreendiam com a inteligência dos “doguinhos”, “Como pode?”. Como pode, dizia para mim mesma, ainda se espantarem com o óbvio? Toda inteligência nata advém da sensibilidade e observação apurada. Tanto sei porque aprendi — e foi com o Paco, o meu Lhasa apso — a me adaptar a nova realidade devido à surdez. E agora, mais uma vez de tantas outras diárias, utilizo para captar o meu redor, me localizar e compreender o ambiente.

Bom, acho melhor retomar o meu estudo de caso com o intuito de corroborar a velha máxima sobre a atividade dos homens comuns. Agora pontuam sobre caipirinha e forró. Um deles lembra de quando foi em um, em Vila Velha, mais precisamente em Coqueiral de Itaparica. Sei. É um fervo. Nunca fui, mas sei.

Remexo no banco do carro e crio expectativa. “Agora vai”. Não foi. Nada de dinheiro, nada de mulher… Futebol? Nenhum vestígio. Deve ter passado mais uns dez minutos. Não confiro. Minha impaciência pede para não distrair por haver mais uma chance. Qual? Desconheço. Obedeço (ou teimo?).

O espelho do retrovisor está mais embaçado devido à poeira, mas consigo ver. Não é necessário limpar ou soprar. É desastroso lembrarem-se que continuo aqui. As chances precisam ser preservadas. Respiro para me manter calma. Consigo.

Ocupam-se agora com emprego. Difícil, fácil; cidade boa, cidade ruim. Sinto que se ocuparão mais com os salários do que com os cargos. Afinal, quem quer passar dificuldade devido a status? Não é sábio, nem prazeroso.

Os primeiros projetos de bailarinas começaram a sair. São crianças e adolescentes, na maioria, magrelas e desengonçadas, porém empinadas. Tenho sempre a sensação de que a qualquer momento, na calçada mesmo, elas farão um “attitude” ou um “balance”. Por enquanto, não.

Quando o burburinho cessa — por falarem incessantemente a ponto de perderem somente para os atores — percebo que um dos homens foi embora. O outro que fica se mexe inquieto, o que indica que não permanecerá ali por muito tempo. Quietos, olham as casas e prédios em volta. Um diz olhando para o céu “É… A noite está fresca. Não irá chover”. O outro boceja e responde “Não”.

Despedem-se. Um fica. Agora sozinho, abre a pochete pendurada no ombro e pega o celular. Rosaline surge, em passos firmes e apressados, “hoje acabou mais cedo”. Ligo o carro. Uma última espiada pelo retrovisor e vejo o homem quieto, alisando a barriga e esticando as pernas. Em tempos de diálogos escassos a máxima masculina se desfez.

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