Sábado, de manhã, é o dia mais tumultuado da semana. Você pode discordar com um “Não é não, é segunda”. Ham, ham. Segunda é o dia mais difícil. Nela, as gentes se arrastam e amolecem como um frangote querendo, sozinho, empurrar um sofá, daqueles pesados e largos sobre um piso desnivelado. É cada tranco!
No sábado, parece que cada um foge de um repentino e perigoso fenômeno climático. Cada qual se desnorteia para qualquer canto. As gentes estão todas desencontradas.
Bom, estou em pleno sábado, de manhã, no estacionamento de um mercado. Não havia vagas. Por sorte, logo encontrei uma, bem na hora que alguém dava ré. Caso contrário, teria que me apegar a alguma incrível dinâmica do pensamento positivo ou desistir. Acredite, este último me levaria fácil ao negativismo.
Rosaline, ao meu lado, soltou “Batata, arroz… Vou lá”. Não importa quantos itens ela diz para si, para relembrar a lista mental, ela sempre trará o dobro, o triplo ou até o quadruplo. “É que cheguei lá e lembrei que estava faltando a… faltando o…”. É sempre a justificativa para o atraso quando entra no carro. Ela fala com ligeiro cansaço, inclusive, no olhar. Faz parte de sua personalidade. É peculiar. Culpa consumista.
Sábado, de manhã, é peculiar. As gentes são sempre despojadas, não por estilo, mas por culpa de toda ansiedade e angústia a que se sujeitam.
Carros cada vez maiores para motoristas diminutos, em termos de manobra e falta de consciência mental, corporal, ambiental… Só sei que é um tal de comer a vaga ao lado… Do meu, aqui, saiu um desses. Sempre os observo com tensão. Veio o alívio com um motociclista folgado (dono de uma Biz) que resolveu estacionar ali, por pura preguiça em procurar por uma vaga exclusiva para motos. Pior é que ele nem sabe, mas todos os motoristas que surgiram depois (SUVs grandes, picapes e sedãs longilíneos) xingavam-no mentalmente. A moto ficou carregada de tanta energia ruim…
Do outro lado, vejo pelo retrovisor um caminhão de abastecimento de mercadorias. Um homem naturalmente grisalho que ainda exala jovialidade e, principalmente, testosterona agitava-se perto da porta do motorista, o qual, lá dentro, mal reagia devido a sua falta de percepção e reação comuns nas gentes de hoje.
Em dado momento, o Grisalho Testosterona, o seu Testo (para simplificar) irritou-se com o motorista e ainda, pelo mesmo retrovisor, fiz a seguinte leitura labial: “Cara, você estava com ele ao telefone. Você falou? Por que não falou? Você é surdo?”.
Quase esqueço de um detalhe. Veja bem. Entre o caminhão e o meu carro, bem no meio, há uma tampa grande, dessas quadradas de esgoto ou cisterna. Ela estava desnivelada, e qualquer coisa que passasse por cima a faria saltar. E, para os ouvintes, quanto maior o impacto, maior é o barulho. Para quem tem perda auditiva severa ou profunda (como eu), ruídos… e distantes.
Pois bem, dito isso, o seu Testo resolveu se aproximar do meu carro e passei a observá-lo, com curiosidade. Talvez quisesse se recostar na lataria ou, com igual curiosidade, olhar para saber se havia alguém dentro, já que uma das janelas estava levemente abaixada. Mas não. Ou, para ser mais exata, não deu tempo.
Antes de se aproximar passou-lhe por trás um carro, e uma das rodas atingiu a tampa. Seu Testo, em meio a distração breve, deu um salto tomado pelo susto. Não pude conter o riso — que fiz com discrição — já que tal fenômeno não me acomete mais.
Rosaline, que empunhava com elegância surpreendente as sacolas (diga-se de passagem, ecológicas) cheias e pesadas, adentrou o carro com inocência. Como eu estava rindo, num ato de imitação humana natural, ela começou a rir e me perguntou “O que foi?”. Contei-lhe enquanto manobrava e contornava o estacionamento.
Coincidentemente, outro carro, dessa vez uma picape, passou bem em cima da tampa e, segundo Rosaline, o barulho era realmente alto e que, se fosse com ela, teria saltado de susto tanto quanto mais o seu Testo.
Surdo não se assusta. Rosaline e seu Testo ouvem bem, muito bem. Fato!
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