É tempo de Botafogo

A tarde de ontem foi alvinegra em pleno gramado argentino, na casa do River Plate. Em duelo entre cariocas e mineiros, cão Biriba versus galo vingador, quem se sobressaiu foi a torcida. O coro e a intensidade foram maiores do lado botafoguense; afinal, era a disputa inédita, a grande oportunidade para se criar jargões com a palavra “Glorioso”.

Era difícil acreditar que o Botafogo estava ali, no Monumental, para brigar em pouco mais de noventa minutos (sempre ultrapassa) pela taça mais desejada da América. A Libertadores carrega a história do continente, a luta pela liberdade, que é pesada.

Durante toda a cobertura, antes, durante e pós-jogo, falava-se incessantemente em “glória eterna”. Aquilo trazia tensão, receio e superstições que só quem é botafoguense entende. Eu estava tensa o dia todo. Fiquei sem internet e corria o risco de não assistir à partida. Passei toda a manhã e início da tarde trocando mensagens com o suporte para restabelecerem a conexão. Ao invés de me estressar, como de costume, preferi o jogo de cintura e apelar para a boa lábia que sempre me deu bons resultados. “Por favor, poderia enviar o técnico e colocar o meu pedido em ordem de prioridade? Preciso da conexão para trabalhar”, disse, pensando baixinho: “preciso assistir ao jogo”. Preveni-me de não verbalizar. Vai que o atendente ou o próprio técnico eram adversários, do contra?

Às 13:40, o técnico chegou e às 13:45 saiu. Ele trocou uma peça e a conexão retomou com potência. “Qualquer coisa que precisar, o suporte funciona aos domingos, tá?”, ele me disse com serenidade de quem sabe resolver qualquer coisa com rapidez. “Tá”, respondi pensando que não seria necessário.

O alívio precede a tensão. O jogo começaria às 17 horas. As apostas entre os torcedores começaram a ser feitas. Alguns botafoguenses apareceram na tevê e disseram: “O Botafogo vai vencer de 3 a 1”. Falaram com firmeza de general. Respondi daqui: “Vai sim! O terceiro gol será marcado pelo Junior Santos nos minutos finais; será o gol da glória e ele vai tirar a camisa na comemoração; vai levar cartão amarelo, mas isso não importará para ninguém”.

Quanta tensão para uma única e decisiva partida: a glória e o fracasso. Quando mostrava a torcida, via mulheres, crianças e até idosos respirando com dificuldade. Eu os sentia, inclusive seus suores escorrendo grossos. Como Gregore havia sido expulso no início do jogo, tornamo-nos todos o décimo primeiro jogador. Enviávamos ao campo a energia que o time precisava. E nem era preciso tanto; era o dia do Botafogo.

E confirmou-se o resultado, assim como o terceiro gol do Junior Santos, que carrega o mesmo sobrenome do nosso estádio: Nilton Santos. A vitória trouxe alegria ao Botafogo e tristeza à nova derrota do Atlético (antes fora vice contra o Flamengo na Copa do Brasil).

A glória ao Glorioso! Qual botafoguense não derramou suas lágrimas? Choramos por nós, que presenciamos a história, e por todos os botafoguenses que nos precederam. O narrador lembrou de Beth Carvalho; eu lembrei de Paulo Mendes Campos, Vinícius de Moraes e Clarice Lispector (só para reforçar minha seara).

Pensei em General Severiano, a casa do Botafogo que, como Buenos Aires, ainda não estive. Me vi naquelas arquibancadas vazias contemplando todo o cenário, principalmente o gramado. Distrai-me. Ao meu lado surgiu uma espécie de névoa tênue; ora se assemelhava a Heleno de Freitas, ora a Biriba. Por fim, materializou-se Garrincha, sorridente e calmo. Com a calma que me passou, lhe perguntei: “Está feliz com a tão sonhada taça, Mané?” Com seu sorriso maroto disse: “Sim! Só não está feliz quem não é Botafogo”. Dividimos a alegria da resposta. Após um breve silêncio soltei: “Pena que não foi na sua época; gostaria de ver hoje uma foto sua erguendo a taça”. Sereno, ele deu algumas batidas firmes no posterior das coxas como os jogadores costumam fazer ao entrar em campo e como num sussurro falou: “As grandes coisas vêm com o tempo”. E desapareceu como havia surgido. Paz.

A Libertadores foi à espera de uma vida inteira. Ontem vimos: somos grandes; sentimos! E agora sabemos! Ao Botafogo a máxima que faltava: “Ao Glorioso, a Glória eterna”.

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