A empregada ouve Phil Collins

“Another Day in Paradise” toca, e eu estou na cozinha. Demorei para reconhecê-la e devo dizer que gastei o mesmo par de tempo para descobrir de onde vinha. Primeiro, porque sua tonalidade é, para mim, médio a agudo (e, para ser honesta, hoje não há muita diferenciação) e só reconheço os graves; ou seja, quando a bateria de toque seco se apresenta, em poucos segundos posso sentir, relembrar e reconhecer (não sei se esses dois últimos obedecem a essa ordem). E segundo, porque meus vizinhos… Ah, os meus vizinhos só ouvem o pior da música nacional.

Mas adianto que era “Another Day in Paradise” para que você possa me acompanhar e… Sabe, gosto de sua companhia; gosto de dividir minhas impressões sobre o cotidiano. Nada maior, nem pior. Trata-se somente de impressões e da necessidade de dividi-las.

Bom, querido leitor, querida leitora, quando reconheci a música, identifiquei de onde vinha. Era do apartamento abaixo. Se você pensa que era a proprietária que ouvia, ledo engano. Era a faxineira. Estranho que ela sempre vem fazer o serviço na sexta, e tratava-se de uma quinta quente e abafada…

Mas a faxineira, mulher miúda, magra e rápida, uma verdadeira mulher-rato, trabalha com o som ligado. Teve uma sexta-feira qualquer em que ela ouvia pop rock internacional dos anos 1980 e em outra a boa MPB (com direito àquelas músicas de abertura de novelas).

Quanto tempo você gastou para ler esses dois parágrafos? Não precisa contar, mas saiba que foi o tempo que gastei pensando: “de quem é essa música mesmo?” Quanto mais tentava, menos o nome se apresentava; nem sequer uma letra. Não permitia associação, não oferecia sinais. Em vão.

Genesis. Isso. Esse é o nome da banda que ele integrou. Ele… Genesis… Qual é o nome mesmo? Tanto tempo que não ouvia mais essa música… Ela é tão bonita; tem algo de especial que me transporta sabe lá para onde… Essa faxineira tem um gosto… Tenho que confessar que gosto quando ela vem fazer a faxina. Não canta, não faz barulho; apenas põe a playlist para tocar… Toda sexta, mas hoje é quinta. Por que será que virou faxineira? Será que não soube acertar suas escolhas, postergou oportunidades ou foi sabotada? Será que ela fala e escreve bem em português? É uma mulher miúda, mulher-rato. Collins. Isso. Lembrei. Phil Collins.

Eu tive uma colega e ao mesmo tempo vizinha que era fã de Phil Collins. Como era mesmo o nome dela? Era mais velha do que eu e tinha mais irmãos: duas meninas (uma da minha idade) e dois meninos. Eram gentis comigo. Acho que conheci Phil Collins com ela. Era tão segura, madura e centrada. Será que toda mulher que ouve Phil Collins é assim? Será que a faxineira é assim? Só a vejo da janela quando chega de Uber no prédio. Mas ela logo entra. Rápida. Mulher-rato. Mulher que ouve Pepeu Gomes e Dire Straits. Mulher rara.

Hoje, na faxina de quinta, ela só quer saber de Phil Collins e ouve todos os seus grandes sucessos em volume agradável. Que mulher exemplar! Se pudesse contratá-la para disfarçadamente observá-la, investigá-la e criar minhas próprias teses com hipóteses respeitáveis! Um estudo do caso da mulher-rato que ouve Phil Collins numa quinta-feira.

“Another Day in Paradise” toca agora somente na minha memória. Aquele “solinho”, o motivo da composição é belo; traz uma coisa boa, de aquecer o coração e despertar do tédio. É tanta coisa que vem e nenhuma fica. Volto a 1989 quando foi lançada; volto a 1995 na mesma intensidade de 2001 como qualquer outra data. São sensações, visagens, miragens… E com calor faz mais calor.

“Another Day in Paradise” pede outras canções como “Every Breath You Take”, do The Police: músicas que falam e chegam aos corações; que embalaram casais e curiosamente não são românticas. Mas isso é assunto para outro dia. Quem sabe outro domingo.

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