“Que Deus te abençoe…”

Acabaram de me falar “Deus te abençoe”. Não senti alegria e talvez não tenha sido abençoada. Fico ressabiada. Isso carece de explicação. Ofereço-te. Em troca, espero, se possível, alguma compreensão. Não há necessidade de concordância. Digo isso para evitar conflitos de ordem linguística.

A minha cisma com a tal frase não vem de hoje. Faz tempo e há exemplos para isso. Dois são substanciais. Preste atenção. Minha dentista tinha uma secretária, uma jovem conversada, daquelas que não nos deixa concluir corretamente uma frase porque as palavras lhe saltam à boca como paraquedistas à beira da aeronave em dia ensolarado. Entre a curiosidade e as conclusões óbvias que chegavam a diferentes e tediosos assuntos, era comum se despedir com o “Deus te abençoe”.

É bela e interessante essa frase quando falada com verdade. Com a secretária era diferente. Dizia sempre de cabeça baixa, em tom baixo, resguardado, quase para si e com provável tristeza. No início, estranhava e, no fim, entristecia-me. Um pequeno sinal de solidariedade.

Não muito diferente, tenho outro exemplo de um amigo, hoje distante devido às circunstâncias próprias do tempo. Se alguém lhe confessasse algum projeto diferente, fora de seus domínios, ele respondia com um “que Deus te abençoe”. Soava como assovio. Era um misto de tristeza e sutil desprezo.

Deus te abençoe é uma frase simples e potente. E quando ouvida, se deseja ser realmente abençoada, sentir aquela energia encobridora, se ajeitar e dormir bem em cama macia. Mas se… se a pessoa diz no automático, sente-se um vazio de embalagem a vácuo aberta. É desolador.

A pessoa, desprovida de energias boas, carrega em si outra falha que pode abarcar outra falha e tantas outras mais. E isso é sério. Dentre todas, há a descrença. A partir do momento em que se permite repetir, esquece-se de sentir. E isso faz tanta diferença.

Minha mãe tem uma amiga que sempre diz “Não… A gente sempre tem que ter fé em Deus”. Ela fala com tanto ímpeto num esforço tamanho que estremeço. Sinto como ela também sente que precisa acreditar no que diz. Tarefa árdua. No início, espantava-me; no fim, sentia vontade de lhe estender um copo com água boa de mina.

Esses exemplos não me provocaram medo de Deus, apenas desconfiança dessas pessoas. Talvez elas tenham tanto medo que o próprio medo lhes provoca todos esses desatinos. Teve uma vez, não sei quando, quem e nem onde, que me falaram: “a gente deve sempre desejar ao outro o que queremos receber”. Achei curioso.

E foi exatamente no Ano Novo, na praia. A melhor data do ano, a melhor energia. As pessoas estão receptivas e esperançosas… Em uma dessas oportunidades, aproximou-se de minha amiga e eu um rapaz que só conhecia de vista, era um cabeleireiro que trabalhava em um salão de beleza do bairro. Era um dos homens mais bonitos da época. Quando se aproximou dela, deu-lhe um forte abraço e desejou um Feliz Ano Novo com um “Muito homem para você”. E fez o mesmo comigo. Não esperava o contato, menos ainda o “desejo”. E ele ainda acrescentou: “a gente deseja o que quer ganhar”. Não duvido que tenha tido sucesso. Afinal, ele era bem parecido com o Marcus Menna, ex-vocalista da banda LS Jack…

Não sei por quanto tempo depois, mas passei a desejar (dentro desse método) dinheiro e riqueza. Mas ninguém ficou rico, inclusive eu. De alguma forma, não houve alguma atração verdadeira, não deu certo. Soou falso.

Quando passei a perceber o quanto era necessário paz, sossego e todos os seus sinônimos – porque o escritor precisa se proteger das perturbações desnecessárias – passei a desejar ao outro a paz, a minha paz. E por ser minha, ainda que pequenina, uma fraca e bruxuleante chama de vela, ela aqueceu e ofereceu a transmutação. É uma necessidade. Atraí a solução rápida e eficaz de imprevistos e problemas. Sobra-se tempo, poupa-se energia. Isso é substancial.

Mas isso não é tudo. Percebi que, quando se deseja realmente a paz, ela requer outras necessidades. E quer maior necessidade do que a saúde? Ah, homem, ah, mulher que me lê agora, um simples desconforto intestinal ou estomacal afeta o seu dia. É o impacto, e você a vítima caída. Tanto faz, homem ou mulher, ninguém resiste. Lembre-se de que é justamente na região estomacal que se encontra o centro de força humano. Isso explica, e nós sentimos. Os antigos, detentores de sabedoria, já diziam “sem saúde, ninguém é nada!”. Compreendo e palpito: “a saúde é uma necessidade paterna”. Sem força não há beleza, não há alegria. Tudo se desfaz, desfalece, aos poucos. É triste.

Se um dia me encontrares, sabe-se lá onde, não diga nada. Esboce um pequeno gesto ou um sorriso tímido. Deixe-me adivinhar teus verdadeiros desejos. Quem sabe não desejo o mesmo.

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