O malefício da traição

Há segredos que se espalham por aí: do confessionário ao consultório. Quando não se revelam os nomes dos protagonistas e coadjuvantes, tornam-se belas anedotas. Assim que me contaram o que dividirei contigo, não pude me conter. Queria mais. Senti-me uma criança ouvindo histórias para dormir. Embora no início não me tenham oferecido os detalhes, colhi-os assim mesmo como frutos saborosos e agora lhes entrego: eis a anedota.

Uma médica séria, sempre bonita, arrumada e cheirosa, acreditava que a saúde não se resumia à ausência de doença, mas sim ao equilíbrio de todos os aspectos da vida humana. E isso soa belo. Dedicada e nascida para isso, destacou-se rapidamente na profissão. Com a agenda constantemente cheia, era difícil conseguir uma vaga para consulta. Assim como uma professora, ela também guardava alguns nomes e episódios marcantes de sua carreira.

Contou-me rindo, embora ainda estupefata, sobre o curioso caso do Júlio, um paciente de meia-idade acometido por uma forte tosse seca intermitente. Avesso a médicos, ele tentou várias soluções caseiras como xaropes e garrafadas de raízes vendidas na feira. Sem solução, sobrou-lhe a última e indesejada tentativa: ir ao médico, pagar pela consulta e, claro, fazer exames.

Na consulta, logo de início, a doutora achou estranho e desconfiou daquela tosse que reticenciava as frases do homem. Coincidentemente, vira algo similar há pouco tempo. Em busca de certeza, fez intermináveis perguntas. Repetiu algumas e observou as respostas para se certificar de que o paciente não omitira algum detalhe importante e lançou a hipótese mais provável.

— Seu Júlio, desconfio que o senhor tem alguma sensibilidade às fezes de pombo.

— Pombo? Por que pombo? — Perguntou surpreso o homem.

— Então, seu Júlio… O senhor tem contato com esse animal?

— Não, de forma alguma.

— Nenhuma vez… Nenhuma mesmo assim recentemente? – falou a médica com ar de desconfiança.

— Não, doutora, não mesmo – pontuou ele com uma tosse.

A doutora sentiu estranheza e, pelo bom senso dos protocolos, pediu uma bateria de exames. Ah! Preciso fazer um adendo: o Júlio, quando ia às consultas, estava sempre acompanhado da mulher, a Rosana, com quem era casado há mais de 20 anos. E pelo menos uma vez a doutora havia perguntado sobre o possível contato com os pombos; ele mantinha a negativa.

A médica permanecia intrigada. O paciente apresentava todos os traços típicos de fibrose pulmonar. Por mais que pesquisasse, não encontrava nenhum outro possível diagnóstico. Algo não batia. Pois bem! Achou melhor deixar de pensar sobre o assunto temporariamente e sentiu uma vontade repentina de comprar lírios.

Assim que saiu do consultório, resolveu passar na floricultura que ficava no caminho. Ela que sempre comprava margaridas pediu dessa vez os lírios. Enquanto aguardava a preparação das flores pela vendedora, ficou olhando a rua. E qual não foi sua surpresa ao ver do outro lado da rua o seu paciente Júlio aos beijos com uma mulher na boca. Mas não era a Rosana; era outra… Não é possível! Uma amante?

A doutora disfarçou e ao pegar seu buquê saiu discretamente da floricultura. Foi para sua casa pensando sobre o ocorrido.

Dias depois, Júlio retornou ao consultório para mais uma consulta; só que desta vez decidiu ir sozinho. Durante a conversa de praxe, a médica olhou os exames e disse:

— Bom! Por mais que o senhor tenha dito que não teve contato com pombos, os seus exames apontaram o que eu suspeitava: hipersensibilidade às fezes do animal. E isso lhe ocasionou fibrose pulmonar.

— Bom doutora, tudo isso faz sentido! É que preciso dizer uma coisa já que não é bom mentir para médico: é verdade que tive contato… Há vários deles e fezes também no quintal da minha amiga. Bem, como a Rosana não está aqui hoje eu vou ser honesto: não é minha amiga; é minha amante. Eu precisei mentir nas outras consultas já que minha mulher sempre me acompanhava e ela não sabe de nada — tossiu o pobre Júlio.

— Compreendi. Então Júlio agora que as coisas ficaram claras vou lhe pedir para fazer uma biópsia pulmonar.

— Doutora essa tal de fibrose tem cura? – perguntou assustado o homem.

— Olha Júlio infelizmente não! Preciso que faça o quanto antes essa biópsia para verificarmos as lesões ocasionadas nos seus tecidos pulmonares.

— Doutora! O que devo dizer à minha esposa? – questionou tenso.

— Júlio verdadeiramente eu não sei — suspirou a doutora que já nem sabia mais o que pensar enquanto olhava para o belo arranjo de flores no canto de sua mesa.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *



Compartilhe esse post