Há um encanto matutino

Cansada, ela seguia devagar. Era um cansaço bom, adquirido em apenas uma hora, diferente de todo o cansaço ruim acumulado de uma semana. Estava suada, demasiadamente suada. Tinha feito agachamento unilateral, agachamento smith (dois ângulos), extensora (drop set), leg press 45 (drop set), supino inclinado com barra, cross over com polia baixa, tríceps unilateral cross, tríceps francês com corda, abdominal remador e esteira. Fora a caminhada de retorno para casa por mais vinte minutos. Pudera.

Quando saíra de casa, há mais ou menos uma hora e meia, ainda estava sonolenta e desanimada. Muito cansaço, demasiado sono. Além das autocobranças e inseguranças que tumultuavam seus pensamentos. Nada intrusivo; eram dela mesma. Agora retornava bem, cansada, mas bem. Os músculos que não relaxaram foram ativados. Sentia a roupa apertar. Ainda bem que os “lookinhos” de academia são feitos de lycra! Imagine se o tecido não esticasse? Não encontro outro nome que possa substituir a palavra desconforto em seu grau maior.

Com os músculos ativados, novos contornos desenhavam seu belo corpo. E com aquele sol pai agradável, sentia a vitamina D penetrar os fios do tecido, alcançar sua epiderme e energizá-la por dentro. Ela é matutina. Sabe e respeita o tempo do seu organismo.

Ela adentra a penúltima rua que dá acesso reto e imediato à sua. Precisará andar mais dois quarteirões e dobrar à esquerda para se aproximar do seu prédio.

A penúltima rua está calma. Sempre há movimento: vai e vem de gente, bichos e veículos. Ninguém para. Mas ela vê alguém parado na esquina. Aperta um pouco as pálpebras e nota que é uma mulher. Pensa que aquela está aguardando alguém. Não surge ninguém. Então, aquela atravessará a rua? Também não. Mantém-se no mesmo lugar. Parece distraída.

Aquela é uma mulher de estatura média e dimensão corporal comum. Morena e com a pele ressecada. Veste uma blusa verde de alcinha e uma bermuda jeans surrada. Nos pés, uma rasteirinha de plástico vermelho desbotada.

À medida que se aproximava dela, dava para perceber que não era distraída, mas sim ausente—ausente de si mesma. Porém, com algum resquício de consciência, aquela notou que a mulher bela e suada era encantadora em sua distração; por sua vez, ao perceber que aquela mulher na esquina era desprovida de juízo, respirou fundo, pois não sabia como—era um ímã de atração! Podia estar quem fosse ao seu lado; quantos mais! Só ela despertava a atenção dos doidos.

Na cidade vizinha em que fora criada há um louco daqueles que andam por todos os lugares e horários que não pode ver ela. Toda vez ele vem ao seu encontro, a abraça; se ela tenta caminhar, ele vai junto falando de tudo—tudo ininteligível.

Cansada de saber, mesmo sem entender o porquê, ela continua a caminhar. Sente sede, mas evita beber água da garrafinha; isso pode ser um gatilho para que aquela se aproxime e queira contato. Caminha firme e calma como se não houvesse ninguém no seu caminho. Inútil! Aquela mulher a viu e gritou:

— Oi! Você mora por aqui?

Pensando que a pobre doida quisera uma mísera informação, respondeu:

— Moro a duas ruas à frente.

— Você tem filhos? — indagou a doida com curiosidade.

— Não, não tenho — respondeu ela, seguindo o caminho com precisão.

— Você é casada?

— Sou.

— Ah!

Toda curiosidade, encantamento e o que mais quer que fosse se evaporaram. Não a seguiu e nem ficou olhando enquanto ela se distanciava; parecia ter esquecido rápido. Voltou imediatamente à sua ausência enquanto ela seguia rindo baixinho e sem olhar para trás. Era melhor.

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