Aquele era o coletivo das 7 horas da manhã, mas para Vanusa era o das 7h20, pois era o horário que passava no seu ponto. E tudo bem. Geralmente, encontrava de três a cinco assentos livres, pois, desde a saída do ponto final (ou inicial?), parecia catar toda a gente do primeiro bairro.
Ela estava no terceiro e passaria por mais três até chegar ao seu destino: a loja de roupas em que trabalhava há dois anos como balconista. Por sorte, encontrou um assento livre que logo se apossou e, com um pouco mais de sorte, iria sentada até o seu ponto, desde que não surgisse algum idoso ou deficiente físico. Mais que descansar as pernas, sentar era uma forma de se manter segura no chacoalhar do ônibus. O pior eram as curvas e também os quebra-molas. Parecia que o motorista não conhecia o caminho. Era cada tranco…
Logo, o ônibus lotou. Mal havia espaço para ficar de pé. Parecia que todo mundo fora convocado para pegá-lo. Eram estudantes, trabalhadores e idosos/pensionistas/aposentados, estes marginalizados pelos demais, que julgavam pelo olhar e pensamento que os três últimos poderiam pegar qualquer outro ônibus em qualquer outro horário. Por que tinha que ser justamente esse? A revolta é silenciosa.
Se não fosse alto o barulho do motor, ora recortado pelo ruído das marchas, alguma ou outra pequena conversa seria captada; se bem que a maioria das pessoas se encontra sonolenta ou com mau humor, ou então os dois juntos.
Vanusa, como seus colegas passageiros, tentava se distrair olhando pela janela. Cada qual com seu ângulo. Quem está de pé conta com o privilégio de ver mais, tanto dentro quanto fora do buzú. Por outro lado, é também o mais visto, mesmo que faça o menor sinal. Os olhares são como reflexos de goleiro bom.
Não há registros nem lembranças de assalto no coletivo. Mas isso não faz com que o mais sonolento dos passageiros caia em sono profundo; pois capixaba bom é capixaba desconfiado.
Por outro lado, há as reladas de quadris, principalmente nas paradas para descidas e subidas. Os mais frágeis são os que mais penam, pois são quase carregados. Os mais experientes, como Vanusa, sabem que nessa hora devem se segurar com mais força nas barras do que nas curvas; pois nestas é só imitar os garupas de motos que ninguém cai. É fato. Porém, se preferir aqueles que imitam gado com dois passos picadinhos para lá e dois picadinhos para cá pode evitar a queda, mas nem sempre o esbarrão — principalmente se a vítima estiver sentada. O olhar frio e cortante às vezes acompanhado de uns centímetros de beiço a mais pode ser a revidação.
Vanusa não presta atenção nessas coisas; são tão habituais, tão passageiras (quem nota?). Ela pensa nas vidas boas de se viver: em riquezas, verdadeiras fortunas, roupas de grife, carro importado, festas, glamour — muito glamour. Mas agora seus pensamentos foram entrecortados; pois falta pouco para chegar ao seu ponto. E Vanusa se prepara. Abre um zíper da bolsa e retira um espelhinho para checar sua aparência. O batom está ok. E se não estivesse? Não daria para retocá-lo; pois o trecho de agora é de maior balanço — uma chacoalhada só. Confere o horário na tela do celular: são 7h40. Certo. Conforme o esperado. Fecha a bolsa. Penteia os cabelos com os próprios dedos e puxa uma parte da blusa daqui; desdobra outra parte dali — tudo nos conformes.
O ônibus está mais vazio. Não há mais ninguém em pé. Quem está sentado nos bancos do corredor consegue ver o caminho pelo para-brisa empoeirado, o câmbio do ônibus e até o braço peludo do motorista.
Há mais trabalhadores do que estudantes. Não há um idoso nem aposentado e menos ainda pensionista. Quando o ronco do motor — junto com a descida e subida de marchas — faziam de seus ruídos nervosos a trilha sonora, eis que um toque de celular ganhou em decibéis todo o ambiente com o som da famosa trilha da novela “Escrava Isaura”.
O “lerê, lerê, lerê, rê, rê, rê” vinha do fundo com força e velocidade. Deve ter ecoado por umas cinco vezes para o desespero da dona do celular que tentava desligá-lo com pressa. No sexto “lerê”, ela conseguiu! Vanusa e os demais seguraram o riso como puderam; mas era cada escapulida de som igual à freada de caminhão.
Por sorte, seu ponto se aproximara e desceu rápido! Mais rápido do que a saída do busão foi sua gargalhada! Ainda bem que não viu novamente a dona do celular; pois na certa teria uma crise de riso daquelas incontroláveis. Fato!
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