Lembro-me dos antepassados meus. Gosto de rememorá-los em suas maiores sutilezas, proezas, perspicácias… Nada de tristezas, não é bom para eles, menos ainda para mim. Em meio a esses incentivos emocionais recordei hoje o meu pai.
Por volta de 2005, a nota de um real parou de ser produzida. Mas antes, em torno de 1998, as cédulas circularam com facilidade pelos bolsos, carteiras e até porta-níqueis (pequenas bolsas de moedas). Lembro-me que, em certa ocasião, o meu saudoso pai foi a Vitória e aproveitou para sacar o pagamento do mês para, no dia seguinte, comprar o material de construção da nossa sonhada casa. Na época, morávamos no último bairro ao norte de Guarapari: Setiba, o caminho marginal litorâneo para a capital.
Era sabido que o último ônibus que saia de Vitória rumo a Guarapari era um dos alvos prediletos de assaltantes. Ainda assim, meu pai não titubeou e decidiu pegá-lo. No momento em que fora subir ao ônibus, um homem estranho, tipicamente suspeito aproximou-se dele e lhe pediu dinheiro. Meu progenitor era um homem “mão aberta”. Não pensou duas vezes e retirou do bolso, que tinha notas e moedas menores, uma cédula de um real – é importante mencionar que no outro bolso estava o pagamento com suas notas mais gordas – e entregou ao tal sujeito esquisito, que também subiu naquele ônibus. A viagem transcorreu bem em meio ao silêncio típico daquele aglomerado de trabalhadores, estudantes, idosos, crianças… Enfim, uma boa parcela da sociedade capixaba, cansada e ansiosa para chegar cada um ao seu destino, seus lares.
Quem saltava daquele ônibus, no perímetro de Vila Velha, descia mais tranquilo. Agora, quem continuasse não demorava a ficar apreensivo, uma vez que havia um trecho entre a Barra do Jucu e Ponta da Fruta (ambos pertencentes à Vila Velha) que era o local mais tendencioso a assaltos, pois no lugar de casas só havia mato, asfalto e restinga da Mata Atlântica.
Quando o ônibus se aproximava do fatídico trecho, aquele homem que havia abordado o meu pai no início levantou-se e anunciou o assalto, ordenando aos seus comparsas que “limpassem” todo mundo, com exceção ao meu pai: “O tio não, porque ele foi bom para mim e me deu um real”.
Em suma: o meu pai saiu ileso e com a carteira cheia, a qual possuía diversas cédulas correntes, de todos os valores, intactas. Livramento, sorte ou proteção. No dia seguinte ele pôde comprar os materiais de construção, a compra do mês (supermercado) e garantiu o pagamento de todas as contas mantendo assim a nossa dignidade e tranquilidade.
Pois bem, como se sabe as notas de um real não circulam mais. O meu pai se foi há alguns anos. Mas deu tempo de me deixar lições como essa, dentre tantas outras. Diga-se de passagem, uma lição valiosa!
Deixe um comentário