Dona Neusa partiu, desta para outra, espera-se melhor. Foi assim, quase “de repente”. Digo isso porque se for refletir um pouco logo se chegará a conclusão que ela vinha adoentada. Mas nada que pudesse inspirar preocupações maiores, ou não? Qual foi a causa? Pneumonia. Doença tinhosa que insiste em persistir há tanto tempo… Era muito velha? Tinha lá seus 79, 80… No máximo, 81 anos. Ah… Cessa assim o diálogo derradeiro que se repete em qualquer canto do mundo… Os ditos religiosos dirão “Que Deus a tenha” ou “Que Jesus a receba”.
E, como é de praxe, a notícia começou a ser compartilhada entre os parentes, vizinhos, amigos e curiosos. Sempre tem um que se torna porta-voz. Se olhar com um pouco de atenção, perceberá que fará com discreta, mas presente satisfação. E isso se repete nas cidades grandes como nas pequenas… Nesta última se torna mais evidente…
Dona Neusa deixou filhos, netos, sobrinhos, afilhados… Ao menos o que fiquei sabendo. Só. E por falar em netos, há uma em especial, que era o seu xodó: a Patricia, vulgo Pati, a pequena de cinco anos. Estavam esquecendo de dar a notícia a ela. Logo ela. E por ser “logo ela” havia um problema: como falar.
O porta-voz estava focado em noticiar aos adultos. Outros próximos estavam ocupados com todas as providências burocráticas para os ditos ritos fúnebres, ou choravam, ou estavam ensimesmados com reações adversas, desde choque até certa apatia.
A tarefa foi dada ao Cristiano, tio da menina, que tinha mais jeito para falar com ela. Mas até nesse momento ficou ensaiando como faria. No fim, achou melhor contar com o apoio da cunhada Estela, outra tia de Pati. Respiraram fundo e foram atrás da pequena que, por sorte, estava brincando sozinha no quarto.
Entreolharam-se naquele jogo visual de “quem entra primeiro” para emendar em um “quem vai começar”. A tia achou por conveniente iniciar pela frase manjada “Ei… Do que você está brincando?”. Mas Pati, sempre direta, disse que não brincava, estava desenhando. De fato, em uma folha A4 ela fizera uma casinha com um quadrado torto no teto que, segundo ela, era o teto solar. E, claro, um sol bem amarelo para captar muita energia.
Os tios acharam engraçado e incentivaram a pequena a dar continuidade a sua obra de arte. E novamente se entreolharam “Quem começaria e como?”. Novamente o impasse. Parecia que ficara mais difícil. Após alguns bons minutos, entrecortados por outros olhares, suspiros e até pigarros, a tia resolveu falar:
_ “Pati, sabe a vovó? Então… Ela agora vai… Ou melhor, ela mudou, sabe? Você, agora vai demorar a vê-la porque não dará para visitá-la, por enquanto…”
_ “Por que tia?” — A pequena olhou com curiosidade.
_ “É que… É que… Bom… Você gosta muito da vovó, não é? Então… Ela mudou para mais longe” — Continuou a tia com dificuldade diante da eternidade dos minutos.
_ “Sabe o que é pequena? Você vai demorar a ver a vovó porque ela mudou para longe. Ela foi morar com Deus!” — Disse o tio nervoso sentindo o coração na boca.
E é exatamente nos momentos de maior tensão que se abre espaço para o inusitado. A morte chama a vida, a consternação evoca a serenidade. E o improvável acontece. Pati, surpresa, responde:
_ Ué, vovó foi morar com Deus? Então casaram?
Ah, o que seria da vida adulta e suas mazelas sem a leveza oriunda da inocência das crianças?
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