Um pouco de amor aos 55 anos

Quando me disseram que aquela mulher, agora com cinquenta e cinco anos estava de trololó com outro homem, não esbocei reação, pelo contrário, queria saber mais. Afinal, dos seus cinquenta e cinco anos havia dedicado trinta somente a um único homem. Acredito que tenha sido a ele para quem se entregou pela primeira vez, cheia de desejo, paixão, sonhos e ilusões.

Lembro que presenciei um desses momentos. Eu era muito pequena, eles eram adolescentes. Agarraram-se no sofá com intensidade e fôlego, que este quase faltou. Eu estava no chão, em meio a tantos brinquedos. Quando vi aquele deslizar de mãos ansiosas e respirações ofegantes, nada disse. Olhava quieta sem entender. E quieta como asa de anjo, recolhi todos os brinquedos e saí sem que percebessem. Era quieta, era inocente. Não entendia, mas sabia que não deveria ali ficar. Desde pequena sei qual é o meu lugar.

É que todo amor como o ato de amar exige mais amor. Do mesmo modo, quem casa não só quer casa, quer tudo, tudinho junto. No início os interesses são os mesmos e depois se tornam desiguais.

E alguns poucos bons anos depois eles tiveram filhos. No total, somados são dois. Um casal. Para muitos, a realização perfeita. O casal. Masculino e feminino. Ying e Yang.

Minha mãe costuma dizer que no “início tudo são flores”. Não foi este o caso. No início foi paixão e, com os olhos de hoje, digo também que era tesão. Só que a paixão-tesão só dura no começo. Existe um prazo de validade determinado. Ela cessa para dar lugar ao amor. Há uma movimentação nos e entre os corpos. Dizem que existe uma tal “química do amor”, protagonizada pelos hormônios, inclusive da dopamina. Há descargas cerebrais, bombeamento intenso do coração e tráfego aumentado de sangue, isso tudo para dar conta e imantar o casal. A força é irresistível. Todo mundo compreende esta etapa, mesmo que desconheça o processo da tal “Química do amor”.

E depois vem o amor. Tão calmo. Quase não se percebe sua chegada. É macia. Na certa houve algum susto por parte daquela mulher com a chegada dos filhos, cuja bagagem de viagem da Dona Cegonha traz novas responsabilidades, preocupações e trabalho, muito trabalho. E de todos os tipos, desde os cuidados com as crianças como o aumento das despesas. Mas ela agradece ao seu bom Deus. Todos tiveram sempre ótima saúde. De alguma forma, sente-se abençoada.

Quando me falaram que aquela mulher de cinquenta e cinco anos andava adoentada e com dificuldades financeiras, segurei a respiração por alguns minutos. É uma dificuldade que cada um, a qualquer tempo, está sujeito.

Ao longo dos trinta anos divididos com o mesmo homem, o que viveu guardou para si. Ambos se sacrificaram em prol dos filhos, dos seus estudos, para poderem ter um futuro diferente deles. Os rebentos agora contam com suas próprias carreiras, e o destino continua incerto. São passíveis de cometerem os mesmos erros e manterem a trajetória dos pais. Exceções são raras. No total há mais semelhanças.

Como é comum nestas situações, os pais trabalharam excessivamente. Ela como empregada doméstica e, nas folgas, no tricô e crochê. Ele como pedreiro. E como se deve imaginar devem ter brigado muito, e por tudo. Isso distancia o casal. Estresse diário, monotonia dos dias e falta de esperança no futuro. Deu no que deu. Ele se afundou na bebida, e ela se tornou beata.

De toda aquela paixão, amor, formação de família e agora filhos criados seguindo os seus próprios destinos, resta novamente o casal em notável frieza, indiferença e distância. Era previsível. Bastava observação e experiência. Faço o primeiro e leio as entrelinhas.

Quando me disseram que aquela mulher, agora com seus cinquenta e cinco anos, estava de trololó com outro homem e, que virara assunto entre os mais próximos, não julguei e nem escandalizei, como também não critiquei. Entendi o que acontecia. Ela queria se apaixonar novamente. Queria sentir a dopamina. Bom seria se fosse pelo mesmo homem. Mas fora possível com outro. Ela sabia que ainda estava viva. Aos cinquenta e cinco anos pulsava. A vida é uma possibilidade. E ela queria viver.

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