Então é dezembro. Não sei se é mais um ano ou se é menos um. Não contabilizo. Não se trata de dúvida, nem de desdém. É qualquer outra coisa que não sei nomear. Se existe uma palavra, ela está em algum lugar distante. Só sei que neste último dia 10 teria sido o aniversário de Clarice Lispector, e agora tudo se torna mais profundo e sério.
Descobri recentemente que existe um fenômeno chamado dezembrite. Trata-se de uma síndrome de fim de ano. A pessoa acometida pode ser tomada por sintomas como angústia, ansiedade, cansaço, vontade de fugir das festas e uma sensação de fracasso. Isso soa tão familiar e é assintomático durante o ano, mas em dezembro, logo no fim, intensifica. Não sei se sofro ou sofri em algum ano, mas certo é que sou tomada de desânimo logo que vejo, ainda em novembro, aqueles enfeites natalinos em casas e lojas. Então, se sofro desse mal, o nome poderia ser pré-dezembro, pré-dezembrite ou novembrite.
Há outros terrores, com som, volume e ritmo. Até poucos dezembros tocava-se “Então é Natal”, linda música que, como tal, quando passa a ser muito executada se torna insuportável. Parece que neste ano houve uma atualização para pior, porque há sempre uma chance real para isso: “All I Want for Christmas Is You”, da Mariah Carey. Como ambas são cansativas!
Desde que soube que o Natal é uma celebração importada e que é a data preferida do comércio, comecei a me antipatizar. Quando criança me deslumbrava com as novidades. Quando adulta passei a procurar os significados das coisas. E isso é perigoso. A revelação tira o encanto. Até logo Papai Noel, renas e presentes mágicos que surgiam aos pés das árvores enfeitadas ou sobre os sapatos que repousam no quarto. Contento-me com o panetone, cuja invenção me provoca a gula, pois surgiu de um erro. E quando vejo que evoluiu e posso me lambuzar com chocotone, penso que uma falha pode trazer alguma esperança, um outro caminho à perfeição.
Qualquer distração é um ato falho e se refugiar no Instagram é uma péssima escolha. Por agora há uma série cansativa de “stories” com apresentações escolares de crianças. É uma mais desengonçada e desritmada do que a outra. É um reflexo dos nossos dias: adultos e crianças. Desalento. E, por falar em adultos, há aqueles que “entraram na brincadeira” do “Como vou ser triste se esse ano eu…” que, caso não tenha visto, trata-se de uma retrospectiva em que se postam fotos em carrossel para ilustrar cada momento especial vivido (e postado) ao longo do ano. É uma tentativa de ser feliz que resume 365 dias em apenas 10 imagens em média.
Essas coisas passam. Menos as terríveis confraternizações, principalmente o tal amigo oculto ou qualquer outro tipo de amigo secreto. Nem quando era novidade achava graça. Era comum não tirar quem quisesse e ser tirado ou tirar quem não quisesse; eis uma frustração social.
Dia desses adentrei uma loja e quando a caixa me atendia percebi o diálogo dela com outros funcionários, inclusive um entregador: “E aí fulano, está animado para a confraternização da empresa?”. O fulano não estava — assim como outros funcionários lembrados por ela — “É… pelo jeito só vão mesmo eu e o ciclano. Não é mesmo ciclano?” O ciclano respondeu com um sim desanimador. Os seus colegas riram; eu não. Tive vontade de falar: “Difícil né? Faz a social de meia hora e sai à francesa; confia em mim que dá certo!”.
Seria uma data bonita se as pessoas não fossem superficiais, hipócritas e vazias. Há muito deixei de participar por sentir estranheza e mal-estar. As reuniões se baseavam em comparações desde quem engordou ou emagreceu até quem tem mais dinheiro ou quem “se acabou” ou não — a introdução para esses pilares existenciais começa com “E aí? Casou? Tem filhos?”.
Agora esses encontros – como qualquer outro momento do ano – não têm diálogos; cada qual está preocupado com selfies e mais selfies para postar: apresentar a falsa alegria e a falsa celebração. São as curtidas que importam; silenciam o vazio e disfarçam a distância que tomamos de nós mesmos.
Que tristeza! Procuro neste exato momento uma saída, uma resposta para solucionar todo esse imbróglio em que nos metemos — todos nós — sem distinção. Procuro em sites de psicologia e páginas jornalísticas sobre comportamento; todos replicam “acalme-se, não se sinta culpado; isso passará”. Solução de remédio vencido que nas entrelinhas de sua composição química egoisticamente diz: “espere janeiro; falta pouco e não me incomode, ok benzinho?”.
“Acalme-se; não se sinta culpado” reverbera no cérebro: a culpa da crença na tradição importada; a culpa da esperança — a esperança de que tudo passa e todos melhoram… Ah querido leitor… Você sabe o que querem dizer: se você sofre com dezembrite é porque a culpa é exclusivamente sua.
A verdade é outra: você sofre porque sente — e muito! Você se importa mesmo que negue; isso é um instinto de autopreservação: um ser que resguarda tanta coisa boa e sabe que não pode mostrar para não ser machucado mais ainda. Você queria que tudo fosse diferente; até tentou! Mas seu coração foi maculado pela indiferença alheia: você é uma ostra cuja pérola é uma chama de amor — pequena porém viva! Fico triste por você; tenho em mim uma chama bruxuleante.
Agora que cheguei aqui me sinto aliviada! Como Clarice às vezes estou triste por estar cansada; a hipocrisia me cansa — e revido! Penso nela para denunciá-la! Espero o descanso do próximo mês porque janeiro é efêmero — em qualquer ano! Hoje é só… E ainda não sei dizer se sofro de dezembrite.
Então é dezembro de dezembrite

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