Amor: Sólido, líquido e gasoso

Gosto de coisas do amor, inclusive poesias. Pode ser hétero ou homo; se me provoca suspiros, é válido. Fiquei tocada logo cedo ao ler no jornal que um casal cearense, centenário, está junto há 84 anos. Isso mesmo! Ele tem 105 e ela 101 anos e conseguiram as raras bodas de crisântemos. E parece que entrarão para o Guinness, o que é justo. Toda celebração é pouca.

Senti vontade de conhecê-los, saber da história de amor e de tantas outras que os fizeram permanecer juntos. Quem sabe voltaria com preciosas lições de vida? Uma vida juntos, uma vida compartilhada. Isso mexeu comigo. Pensei, sonhei e arrepiei. Pensei em contar tudo em detalhes para Rosaline, mas precisava aguardá-la voltar do cabeleireiro. E hoje demoraria porque mexeria no tom da cor. “A menina é detalhista; hoje vai demorar”, foi o que ela me enviou pelo WhatsApp.

Demorou o tempo de costume. Bom, ao menos foi o que percebi. Quando chegou renovada e empoderada — porque salão de beleza sabe despertar essas coisas em qualquer mulher — veio com alegria praiana me contar o que ouvira no salão (porque se tem lugar onde as coisas tomam forma é justamente lá).

A cabeleireira perfeccionista lhe contou sobre o casamento, pois falar sobre relacionamento é uma necessidade feminina. Talvez como consolo ou desabafo, a mulher sente demais, e uma hora é preciso exteriorizar para pacificar os hormônios.

“O casamento é chato, é cansativo”, dissera ela, taxativa. Não preciso ver uma pessoa dessas para saber o que se passa. A rotina é uma visita longa de parente chato. Pior é o sinal que ela apresenta: insônia, tão boba e letárgica que não se nota. É afastamento do casal.

Ela disse que tem atravessado noites em claro e que agora encontrou uma boa companhia: assistir séries na TV. Parece que viciou em “The Boys”. Aposto que sabe diálogos de cenas inteiras.

O novo hábito e sua constância geraram alguma tensão. Em uma das madrugadas, quando estava com os olhos vidrados na enorme tela de plasma, seu marido surgiu em meio ao escuro.
– Amor, você não vem dormir? – Perguntou sonolento.
– Não, estou sem sono – Ela respondeu.
– Agora é isso? Toda noite assistindo a esses homens? – Gesticulou irritado.
– Claro! Você não funciona!

Se fosse uma piada teria lá sua graça, mas para assuntos sérios do coração (e do tesão) é triste. Quando Rosaline me contou, lembrei de outro caso que nos foi relatado há uns dois anos.

Em uma região pobre de ruas ora esburacadas e lamacentas, ora de paralelepípedos tortos e sobressaltados, com campinho e lixão, há um bode austero de nome Manuel. Bicho imponente e de chifres suntuosos, ele transita livremente por toda a região.

Um dia, uma mulher observando o bode falou para o marido: “Olha lá! Os seus chifres são maiores do que os do Manuel”. A reação e resposta do marido não foram das melhores; menos ainda afetuosa. Deu briga e agressão típica de cortiço.

E como um pensamento busca outro, uma lembrança anda acompanhada de outra; recordei de uma história popular difundida na internet. Segundo contam (ou melhor, compartilham), um jovem chegou a um casal de idosos que havia completado 60 anos de união e curioso perguntou qual era o segredo para estarem juntos há tantos anos. E eis que um deles lhe respondeu: “eram do tempo em que quando alguma coisa quebrava não jogavam fora; mas sim consertavam”.

Independente das versões, acho tão bonita e inspiradora essa historinha, pois como história de amor desperta o desejo de amar. A primeira não; é o sarcasmo como disfarce da frustração que na melhor das hipóteses se transforma em meme para páginas “X da depressão”. Ninguém fala, mas eu me atrevo.

O que une e mantém os casais é o exercício diário do amor — o mesmo praticado no início do relacionamento que começou na fase da paquera — a motivação de conquistar o outro coração. Quando essa chama se apaga, um procurará acendê-la enquanto o outro se contentará com a penumbra. E a rotina se instalará para fazer morada.

Como será que o casal cearense lidou (e lida) com a rotina? Seria uma das minhas primeiras perguntas; até porque no nosso tempo falta romantismo. Nosso tempo e consequentemente nossas relações são líquidas, como dissera Bauman. E eu preciso lê-lo com urgência.

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