Quando ele se sentou ao meu lado, com a expressão fechada, um contraste pesado em relação ao seu semblante leve, percebi que estava triste. Respirou fundo e me disse: “ninguém consegue e nem pode ser feliz com a desgraça alheia”.
Arrepiei-me, pois na última vez que ouvi a mesma frase, mas de outra pessoa, o desfecho foi mórbido. Quis saber agora o que lhe afligia. “Fui traído, está doendo”. Fiquei estupefata. Conheço esse estado nas mulheres; não esperava presenciá-lo em um homem. Como observadora do meu tempo, preciso sempre me prontificar. As lágrimas ganharam seus olhos castanhos e o suor umedecia seu corpo. Os poros não suportavam mais o sofrimento; estavam prestes a transbordar. Tudo nele tomava nova forma.
Sentados lado a lado naquele meio-fio, olhávamos para o infinito, que nada nos transmitia. Quis chorar com ele, pois apiedava-me do sofrimento alheio. “Diga o que quiseres; aqui estou e me faço presente”, prontifiquei-me. Ele tentou; balbuciou e respirou com dificuldade, buscando palavras com gestos enquanto soluçava, prestes a regurgitar: “Não consigo”.
Compreendi. É difícil falar de dor porque ela se faz sentir. Latente. E pelo pouco que sabia daquele relacionamento, estava casado há treze anos. Como toda boa história de amor, começou bela e terminou desgastada, repleta de mágoas e traições. Aquela que tentava me contar não era a primeira; era a sequência de muitas. Quantas? Desnecessário. A dor é qualitativa e não quantitativa. Sei que ele se esforçou pelo casamento; enfrentou obstáculos e foi fiel e leal porque isso é parte de sua essência—algo belo e raro hoje em dia.
Lembrou-se de quando, ainda no início do namoro, eu tinha lhe dito uma difícil verdade: “Você ama muito, ama mais do que é amado.” Recordei que ele ficou quieto na ocasião. Confessou-me que, a cada traição e a cada solidão acompanhada, lembrava do que eu tinha lhe dito. Senti uma pressão na garganta e medo de falar algo mais severo.
Aos poucos conseguiu falar algumas coisas pontuais: que tentou agradar, presentear e surpreender com o que poderia oferecer — com todos os clichês, ora com romantismo, ora com humor, pois este último lhe era crucial para medir a capacidade de envolvimento do casal. Lembrou que certa vez viu (não sabe onde) que quando um casal deixa de sorrir juntos é mau sinal.
Muitas vezes fez e presenteou com o que gostaria de receber, mas nunca foi agraciado. As melhoras eram eventuais e duravam alguns dias; depois, tudo retornava à mesmice, ao cansaço e à tristeza. Distanciava-se para se preservar e procurava algo relevante para ocupar a mente porque temia a depressão. Sem perceber, desleixou-se: emagreceu muito da primeira vez, engordou (e inchou) na segunda; em ambos os casos bebia compulsivamente.
Não me perguntou: “Aonde foi que errei?”. Não era preciso. O que acontecia ali durante vários anos era o encontro de duas almas distantes — um empata e o outro seu avesso.
Vê-lo derramar copiosas lágrimas como vira antes com algumas amigas partiu meu coração. O que soube dizer no início como aviso agora era impossível; sentia-me travada bem agora quando era preciso confortar aquela alma luminosa. Não sabia o que dizer; as palavras não vinham. Ele já tinha os olhos inchados; seu corpo amolecia — logo reclamaria de dor de cabeça.
Estiquei meu braço amigo e ofereci-lhe um abraço — o mesmo que um dia precisei quando sofri uma dura perda: a morte do meu pai. Ali permanecemos abraçados e sentados ignorando o horizonte; evitávamos nos olhar e preferíamos o silêncio — talvez fosse um acalanto. As lágrimas insistiam; de minha parte, já nem sabia mais por que chorava. Era desconfortável permanecer sentada sobre aquele meio-fio.
Sobre o meio-fio choramos

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