O estacionamento do supermercado estava na penumbra. Não era só naquela noite; eram todas as noites. Achava estranho e perigoso, já que ficava perto da avenida principal e tinha três acessos fáceis de um lado ao outro, onde adentrar ou sair era feito com toda a discrição. Além disso, um terço das vagas era sombreado pelas árvores, e quem se arriscasse a estacionar ali não só deixava o carro em pleno breu, mas também o entregava à sorte de não ser acertado por algum galho. Já presenciei algumas quedas, mas não os acertos; menos mal.
Naquela noite, adentrei apressadamente o supermercado e, por isso, peguei o cartão de débito ao invés do de crédito. Precisei retornar ao carro para trocar. E foi nesse momento que, em meio à penumbra do estacionamento, ao escuro do interior do veículo e à minha preguiça em acender a luz interna do teto, tateei como quem faz o sorteio de fichas (havia papéis, controle remoto do som e documentos do carro) quando vi se aproximar um jovem casal. Ambos de altura mediana, magros e de pouca beleza, traziam algum pacote nas mãos. Falavam sem parar, riam nos intervalos de cada frase.
Seria bonito se não pecassem em um detalhe: brincavam com o que não se deveria brincar. Isso ficou visível à medida que a cena se desenrolou bem à minha frente, quando ainda me encontrava dentro do carro organizando a bagunça que fizera para encontrar o cartão de crédito.
Assim que os avistei através do para-brisa, pude vê-los melhor. Cada um tinha um pacote de salgadinhos nas mãos. Pegavam rápido e colocavam na boca, mastigando com um gosto irônico e emitindo um sonoro: “Hum, que delícia esse gostinho de câncer…” E repetiam essa frase com pequenas variações: “delicioso”, “saboroso”; nada agradável. Aquela cena me provocou repugnância e comecei a achá-los mais feios e também imbecis, assim como loucos, desqualificados e desnecessários. Enfim, meu assombro transformou-se em revolta. Onde já se viu falar com a boca cheia: “Hum, que delícia esse gostinho de câncer”?
Eu que cresci ouvindo tantas histórias arrepiantes devido a abusos, blasfêmias e todo tipo de desrespeito não sabia se ali, diante do inusitado e sobressaltada pela infâmia, temia por eles devido às inimagináveis consequências de tão nefasto ato. Era intragável.
E eles não paravam; insistiam com gosto. Pouco me importava se tinham 30, 35 ou menos anos. Eram inconsequentes. Observava-os enquanto eles não me notavam. Melhor assim; caso contrário, deparariam com minha cara enojada.
A esta altura pensava se já não estavam no fim daqueles salgadinhos; se ainda restavam muitos – na certa alguns quebrados – e havia também os farelos. Será que comeriam e exaltariam toda a estupidez? Tornava-se difícil distingui-los à medida que se distanciavam. Mantinham-se lado a lado como dois vultos a se esvaírem no sereno da noite.
Assim que peguei meu cartão, adentrei o supermercado. Logo reparei que o estoque estava escasso. “É que a empresa vai fechar e por isso está vendendo os últimos produtos”, alguém sussurrou às minhas costas; talvez algum cliente ou mesmo um funcionário desolado. Sim, aquele supermercado – que até pouco tempo atraía grande número de clientes – havia falido. Era triste caminhar entre os setores e ver a maioria das prateleiras vazias. Algumas tinham poucos produtos; parte deles estava quebrada, amassada ou até violada. Eram restos.
Na semana seguinte, a empresa fechou definitivamente, deixando todo o amplo espaço em silêncio e escuridão. Quanto àquele casal dos salgadinhos? Nunca mais os vi; desconheço seus destinos.
Deixe um comentário