Quando menos esperava, ela aparecia. Às vezes, era às 9 horas; em outras, às 15 horas. Tinha dia que era nos dois horários e, em algum outro, me dava paz. Era arriscado. Tudo bem que ela tomava seus cuidados, mas, mesmo assim, eu temia. E se sobrasse para mim?
A maior parte das vezes, ela ficava no primeiro andar. Quando não estava organizando o estoque ou as prateleiras, realizava o atendimento no balcão, embora sua função fosse perfumista. Quanto a mim, ficava no segundo andar, numa sala isolada, do lado oposto à da gerente, com papéis (muitos), computador e telefone. Minha função era jurídica: cobrar inadimplentes, devedores, SPC, Serasa e essas coisas. Mas sempre surgiam tarefas extras. Uma delas era fazer serviço de banco. De vez em quando, às 15h40 ou no mais tardar às 15h45, ela aparecia na minha sala para avisar. Ela também era incumbida desse bônus.
Gostava dela, mesmo depois de descobrir que não era minha amiga. Quando constatei isso, senti-me frustrada. Ela era apenas mais uma colega de trabalho como as demais. Mas me divertia com seu estado de graça apaixonado, que lhe fazia parecer algum filhote. Qual? Não sei. Mamífero era o que mais combinava.
Bom, observei aqui que até agora não disse o nome dela e quando isso falta, acaba faltando muita coisa. Taciana; seu nome era Taciana. Era mais alta do que eu, uns 10 centímetros. Pele bonita e branca por sorte; cabelos negros forçados por química, compridos e lisos. Seria bela se não fosse bruta. E ela tinha uma mão pesada. Lembro que quando fazia alguma brincadeira e ela reagia com ar de contrariedade, respondia com um tapão daqueles ardidos.
Ficava doce mesmo quando chegava à minha sala às 9 horas ou às 15 horas. É que ela escapulia para usar o telefone e ligar para o namorado. Se bem que não sei (ou melhor, não lembro) qual era o patamar de seriedade – ou de responsabilidade, como se diz hoje – pois parecia que toda e qualquer iniciativa partia somente dela.
Quando vinha às escondidas ligar para ele – que nunca soube como era, pois parecia não morar na mesma cidade e nunca vi nem uma única foto –, abria as câmeras de vigilância da loja para ver se ninguém apareceria para nos flagrar. Esse “ninguém” se tratava da gerente e dos patrões.
Aquilo se tornara cansativo e eu não tinha alternativas. A sala não podia ficar trancada e o telefone não era de uso restrito. Eu queria evitar conflito, pois era desnecessário e dependíamos uma da outra mutuamente e diariamente. Fora que brigar com pessoa apaixonada traz desgaste e incita traição. No fim, clamava por ideia e sorte; exatamente nesta ordem.
E tinha o fato de que além de ser obrigada a ouvir a ligação melosa – pois não podia sair da sala – tinha ainda o pré e o pós-ligação com toda aquela narrativa feminina de desabafo: “Será que ele está afim? Você acha que ele está levando a sério? Será que ele está apaixonado por mim? Que presente dou a ele? Me ajuda; o que devo falar para ele na próxima vez?”
Um dia, Taciana apareceu na minha sala pisando forte igual àqueles soldados em marcha de desfile cívico. A cara brava retinha a respiração; ela estava pronta para algo: explodir.
Bruta como sempre, se aproximou ligeira do telefone e por pouco não pisou no meu pé machucado por um incômodo calo. Brava, me disse que hoje seria o dia; que não dava mais e que acabaria com aquele tal namoro. “Que isso…”, “Que aquilo…” Falava e se movimentava. Com suas mãos grandes, unhas impecavelmente vermelhas e pesadas procurava pelo pequeno papel com o número de telefone do homem; por pouco não rasgou o papel judiado de tão amassado.
Nada disse, mas fiquei a pensar: “Será que finalmente terei sossego?”. E ela não parava de falar: “Cansei! Sabe… Vou falar um monte de coisa… O que ele pensa que é?”.
De repente, ela foi interrompida; alguém a atendera. Emitiu um reticente “oi”. Era ele! Observei suas expressões faciais; todo o enrubescimento havia desaparecido! Era engraçado perceber que ela ficara desarmada: seu tom de voz assumiu um tom doce e seus olhos se amendoaram: “Oi… Como você está?”.
Não tinha jeito! Olhei mais uma vez para ela e senti minha paz adiada; restou-me retomar aos papéis e às cobranças.
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