O mercadinho

Existe um mercadinho na rua Ana Néri que resiste ao tempo. É uma quitanda de bairro, pequena, quieta e imprensada entre os imóveis do entorno. De um lado, há um prédio residencial que lhe rouba a atenção, e do outro, um terreno baldio com uma construção abandonada, que desvia qualquer resquício de atenção. O mercadinho carioca persiste.

Desde que me lembro, já teve a fachada verde. Depois trocaram para amarelo, vermelho com branco e agora recebeu um azul forte. Acho que foi proposital, pois destaca os cartazes afixados de cima a baixo, as promoções do dia e da semana. Estas ficam mais no alto, acima do batente, e aquelas na altura dos ombros de quem entra. Assim, poupam esforços na troca dos cartazes e induzem o cliente a comprar exatamente os produtos “sugeridos”.

Passei a prestar atenção no mercadinho recentemente, quando notei que estava com um letreiro novo, cujo nome era (ou melhor, é) Celina Vargas. Entre estranheza e surpresa, balbuciava: “Celina Vargas…”, “Celina Vargas…”. Rosaline, ao meu lado, achou graça de minha expressão confusa e quis saber se o tal nome tinha a ver com algum conterrâneo meu, pois Celina é distrito de Alegre. Respondi-lhe que não; tinha a ver com outra coisa, talvez uma pessoa, mas quem?

Nada vinha à minha mente e, ao mesmo tempo, aquele nome soava familiar. Quando isso acontece, tomo a decisão de desistir momentaneamente. Às vezes um breve distanciamento pode trazer resposta quando menos se imagina.

Arrisco dizer que devo ter me esquecido, pois o tal distanciamento durou alguns dias até que, de modo imprevisível, deparei-me com um livro sobre Alzira Vargas, a filha e também chefe de gabinete de Getúlio Vargas. E como um estalo lembrei que Celina Vargas é filha de Alzira e neta de Getúlio. Mas a resposta trouxe uma nova pergunta: por que o mercadinho se chamava Celina Vargas?

As homenagens são conferidas a Getúlio, o qual nomeia avenidas, escolas e repartições públicas. Não lembro de ver nada parecido com Alzira e mais improvável ainda com Celina. E se tratando de quitanda era duplamente improvável (ou seria triplamente?).

Agora era minha vez de perguntar a Rosaline: “Por quê?”. “Bom, talvez seja pelo nome do bairro que é Celina Vargas”, arriscou com imprecisão. Bairro chamado Celina Vargas? A sucessão de perguntas não indicava um fim. Era mais fácil discutir o preço do quilo de tomate.

Para evitar maiores dissabores, achei melhor pesquisar. E realmente Rosaline tinha razão. O bairro chamava-se Celina Vargas. Digitei no buscador do navegador “bairro Celina Vargas”. Nos resultados da pesquisa o primeiro a aparecer foi um mapa da região. Em seguida, um link da Wikipedia que pouco dizia; apenas a inserção do nome na listagem dos bairros. No terceiro apareceu um blog. Animei-me. Quando cliquei só vi uma listagem agora de fotos: casarios antigos, praças e monumentos de outros bairros. Outro link abaixo não ajudava: eram anúncios imobiliários ao redor e notícias antigas sobre feitos da prefeitura como a troca da iluminação pública.

Estava prestes a desistir. Por um lastro quis acessar a segunda página de resultados. Fiz isso e encontrei mais um link de um blog. Cliquei com esperança. Além de várias fotos antigas do bairro, o pouco texto disponibilizado fazia severas críticas ao abandono por parte da prefeitura “que era um absurdo; uma vergonha”. Lia em voz alta como meu singelo gesto de protesto e revolta.

Eu estava cansada; ligeiramente cansada. Desejava agora, mais do que qualquer antes, que aquele mercadinho tivesse outro nome; quiçá retomasse o anterior: “quitanda dos coqueiros”; pois à sua frente, dividindo a rua Ana Néri, havia uma fileira de coqueiros que nada sombreavam mas traziam sentido.

Mas não; queriam inovar, fazer diferente; mostrar que agora tudo era novo. O mercadinho podia receber o nome do seu dono (que nem imagino qual seja) ou só o sobrenome. Ainda assim poderia ser lembrado como um ponto de referência direto (aquele mercadinho dos coqueiros) ou indireto (fica lá perto do mercadinho na rua Ana Néri); também seria válido “o mercadinho perto do boteco” como “aquela quitanda perto da loja de 1,99”.

Mas não! Preferem o nome do bairro não por homenagem, mas por preguiça. Quem foi Celina Vargas? Ninguém cuja história despertou curiosidade! Por agora, o que se sabe é que o “quilo de tomate está a R$ 5,99”, como anuncia o carro de som, lento e alto ao percorrer os bairros da cidade, alertando que a “promoção é só essa semana”. Isso é o que importa.

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