Aos poucos as pessoas vão nos deixando. Uns a morte chama, outros são recrutados aos psicotrópicos. Desde criança observo como cada um se permite partir. É triste. Quem quer, ou deva partir deveria fazer de forma mais suave, quase solene. E avisar com antecedência. Não falo isso para que dê tempo de preparar uma festa, mas para celebrar os momentos memoráveis. Cada qual tem as suas porções.
Acredito em despedidas diárias. Na concessão de mais cinco, dez minutos, que se transformam em trinta minutos ou mais; em que o não dito é compreendido, o velado é compartilhado e a cumplicidade é a caçula da fraternidade.
As despedidas diárias não são anunciadas e menos ainda planejadas. Possuem toda uma sutileza só, que apenas aqueles dotados de profunda e sincera sensibilidade conseguem detectar. E não se entristecem, pelo contrário, se alegram por saberem o quanto a vida se faz plena em cada instante.
Desde pequena realizo constantes despedidas. Uma delas, por volta dos 9 anos de idade, foi com um pequeno pardal. Retornava da escola, já no horário do almoço, quando ao se aproximar de casa encontrei uma vizinha que me entregou um pássaro. Ao colocá-lo em minhas mãos me pediu para levá-lo. Obedeci. A cada passada que eu dava sentia o coração daquele bicho pequenino bater intensamente. As batidas e os meus passos cadenciavam.
Quando cheguei à casa quis logo mostrar a minha mãe o pardal. Logo que o viu, me ordenou a soltá-lo, pois aquela espécie não poderia ficar presa, senão correria o risco de morrer rapidamente. Ao ouvir aquilo, o meu coração acelerou, e toda minha inocência se resguardou em silêncio.
Não retruquei minha mãe, apenas impulsionei meus pulsos e abri minhas mãos para que aquela pequena ave voasse. E foi o que ele fez. Logo sumiu pelo mato a fora, e nunca mais o vi. Ele seguiu o seu destino. E eu compreendi o significado de toda aquela lição. Até hoje minha mãe não sabe o quanto aquele momento (e despedida) me marcaram. E passei a não gostar de ver pássaros dentro de gaiolas…
É claro que muitos outros breves encontros e surpreendentes despedidas ocorreram em vários momentos, mas confesso que prefiro que aconteçam em um intervalo de espaço maior, pois assim não há distração e menos ainda erro!
Meu amigo Zezé, por exemplo – sempre ocupado com sua rotina – não percebe essas coisas sutis da vida. Certa vez, um amigo em comum nosso estava prestes a se mudar. Teríamos pouco menos de um semestre para vivenciarmos tudo que estivesse pendente. Sabia disso, mas não pensava nisso, pois estava ocupada em desfrutar aquela preciosa companhia, a quem considerava como um irmão, um irmão que não tive. E assim foi feito. Nada de especial. Sem exageros e nem procrastinações. Apenas continuamos. Zezé mal nos acompanhava.
Quando aquele semestre terminou, nosso amigo partiu. Zezé e eu alimentamos sentimentos diferentes. Zezé sofreu, eu não. Meses depois tivemos a oportunidade de nos reencontrar. Agora as coisas eram diferentes. Era como dizia Milton Nascimento “(…) Qualquer dia a gente se vê/ Sei que nada será como antes, amanhã (…)”. Nosso amigo “estava avançado” com suas novas experiências, novos amigos e amores… Como era de se esperar.
E não muito tempo depois, Zezé também partiu em busca de seus sonhos. E nos reencontramos mais uma vez. Ele esperava que aquele velho amigo viesse ao nosso encontro. Não aconteceu… Era o que eu esperava…
Recentemente, reencontrei virtualmente Zezé. É honesto dizer que nada mudou. Ele continua fiel a sua rotina e, presumo também, que a nostalgia que sempre lhe assola o peito tardiamente. Mal este que não me acomete, ainda bem!
Mesmo em tempo de pandemia, vivências perfeitas nos stories e mimimis rotineiros, as despedidas diárias permanecem ativas, porém menos percebidas. É que nos deixamos distrair em meio a tantas desculpas e, como Zezé, postergamos. Enquanto os dias sucedem ao seu próprio modo esquecemo-nos até de nós. Aos outros, amanhã.
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