Sobre estar cansada, ser autossuficiente

Não gosto de ouvir, ler ou mesmo proferir a frase “Estou cansada”. Talvez você acredite que ela provoque o cansaço a quem ouviu ou leu – pois quem proferiu pode pensar que causou o mesmo efeito de um longo e fadigoso suspiro – mas não, trata-se de uma frase perigosa. Ela diz muito mais em seu modo sub. Fica sempre subentendido. É aquela coisa da camada, o que vêm à superfície é apenas uma pequena parte de um todo que permanece submerso.

Quando me deparo com “Não, estou cansada. É só isso, apenas cansada!” sinto calafrios. De acordo com minhas últimas observações, pode indicar certa exaustão existencial. A vida como um fardo, cujo peso é incontestável que antes, muito antes na história, castigou o mítico Atlas a carregar o mundo sobre as próprias costas. Só penso o quanto seus joelhos sofreram com tamanha carga, a sobrecarga…

Pessoas autossuficientes são as mais propensas a sofrerem com a exaustão existencial. Primeiramente deve-se lembrar que elas não se denominam propriamente assim, a tarefa é realizada pelos outros que, a grosso modo, pode-se dizer são os insuficientes, já que tudo pedem aos primeiros a fazerem por eles, inclusive as tarefas mais simples.

As pessoas autossuficientes são dotadas de grande energia, agilidade e, digo mais, uma certa habilidade de antecipação. Explico. Com o auxílio dos dois primeiros recursos “fazem o que tem a fazer” logo que a tarefa aparece. Os mais distraídos acreditam que eles “adivinham as coisas”. Não acredito nisso. Suspeito que sejam dotados de uma espécie de intuição lógica (A + B = C; farei agora, senão virá o D. Prefiro adiantar e acabar logo).

As pessoas autossuficientes carregam um segredo: elas são carentes. Quanto mais fazem pelos outros, mais carentes se tornam. Elas gostam de ação, só sabem se posicionar no mundo desta forma, sempre diretas. E são esperançosas. Esperam que algum dia, qualquer um, recebam a recompensa da atenção, afeto e carinho. E isso é tão raro…

É por isso que, muitas das vezes, tomados por uma espécie de fúria estressam-se e demonstram das formas mais surpreendentes, desde jogar alguma coisa ao chão ou ao ar, como fechar a cara e sair andando sem destino certo, mas com pisadas devidamente corretas, e geralmente acompanhados, com frases do estilo “Quer saber? Estou cansado e não vou mais fazer nada. Quem quiser que pegue e faça!”.

Quem ouve ou presencia, em parte, a cena pode pensar que tal frase longa é uma tremenda grosseria, mas garanto que não. Trata-se de cansaço, não o primeiro que apontei. Simplesmente é o cansaço primordial que é provocado por aborrecimentos.

As pessoas autossuficientes são facilmente taxadas de grosseiras e/ou rudes. Não. Asseguro que nem todas. Digo isso por que tenho uma revelação a fazer. As pessoas autossuficientes mascaram-se de grossas, rudes ou qualquer dureza semelhante para proteger o que há de mais belo e sagrado nelas: a sensibilidade. Ah, por favor, não ria. É uma estranha contradição bem sei, mas observe e verás, eu consegui compreender e digo que esse é o modus operandi utilizado por mais de 98% delas.

Sim, eu vi isso na Joana, foi tão claro como o último sorriso luminoso que ela naturalmente concedeu na semana passada… É provável que você, você aí, tenha agora remexido a si e o seu dispositivo com aguda curiosidade para saber quem é ela. Dir-lhe-ei que não se chama Joana, mas aqui a batizo porque o nome é bonito, assim como ela, e o seu verdadeiro nome também. Quando penso em Joana, o nome, não me lembro da Joana D’Arc que o Marcelo Nova (Camisa de Vênus) profetiza, mas sim a natureza Joana de ser: sensível, doce e delicada. Ou ainda a pureza única e velada de uma mulher.

Mas Joana anda cansada. Joga todo o peso da responsabilidade que sente nos quadris, e, com isso, não percebe que em sua tentativa de disfarce costuma se curvar com frequência, mesmo parada ou encostada em algum canto. Toda vez que a vejo de perfil é inegável não me lembrar do mítico Atlas, afinal, só conheço a representação dele do mesmo modo. Lembro que ele porta uma barba crescida, aparada ou rebeldemente desgrenhada não sei, enquanto Joana, ocasionalmente, surge com alguma espinha nas bochechas, que provavelmente indica alguma alteração hormonal.

De alterações entendo e acredito que você aí, do outro lado do dispositivo, também carregue alguma compreensão. Nos últimos tempos quem de nós não se sente alterado em algum momento ao longo do dia (que pode se estender pela noite) todos os dias?

Mas se lamentamos e buscamos algum conforto através de memes que celebram rotineiramente o desgaste emocional, frustrações e o que mais nos incomoda, as pessoas autossuficientes procuram o silêncio para suspirarem. Desconfio também que devem pensar naquelas insuficientes que insistem em lhes cercar. Acredito que devem se questionar acerca de qual motivo ou circunstância tornaram-se, assim, autossuficientes bem como, assim, os insuficientes passaram a serem o que os denomina. As razões podem ser desconhecidas.

É certo que a curvatura das costas dos autossuficientes continua a angular. Por isso, quando encontrá-los não sugira uma massagem. Melhor: ofereça um forte e afetuoso abraço. O que lhe parece um gesto de carinho é para eles o refratário de todo o conforto e alívio que procuram, mas não verbalizam.

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